Planejamento de Cenários: Elimine o Ruído, Ganhe em Clareza
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Planejamento de Cenários: Elimine o Ruído, Ganhe em Clareza

Rodrigo Fernandes
8 min
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Esta edição é um oferecimento da Barte, a plataforma que permite que você crie sua própria solução de pagamentos.

No ambiente imprevisível das startups, o sucesso está diretamente ligado à maneira como os fundadores enfrentam a incerteza. Para enfrentar essa questão, muitos empreendedores veem na criação de cenários hipotéticos uma forma de se preparar melhor para os desafios que estão por vir.

O desafio é que a análise de cenários muitas vezes se torna apenas um exercício de imaginação, longe de ser uma ferramenta prática para a tomada de decisões informadas. A verdade é que sabemos tão pouco que mal conseguimos criar um cenário realista, quanto mais um otimista ou pessimista.

Chamar projeções infundadas de 'realistas' ou 'pessimistas' cria uma falsa sensação de segurança. Se não sabemos, simplesmente não sabemos. Ajustar todas as variáveis para simular o chamado 'pior cenário' não cria um cenário realmente pessimista — é apenas especulação disfarçada de análise.

Esqueça a ideia de prever o que não pode ser previsto. O jogo é sobre como responder à incerteza. Mudar a forma de pensar é o que transforma previsões sem fundamento em estratégias eficazes de adaptação.


Por que o Planejamento de Cenários Tradicional Não Funciona

Mesmo que os cenários que você criou abordem situações relevantes, isso não garante a sua utilidade. O que eles realmente significam? Como ajudam, de fato, na tomada de decisão?

O que poucas pessoas compreendem é que o verdadeiro valor dos cenários está em mapear relações claras de causa e efeito. Precisamos entender qual é a relação entre metas específicas e os objetivos estratégicos do negócio.

Fonte: Excalidraw/Autor
Fonte: Excalidraw/Autor

Cenários eficazes fornecem insights claros e acionáveis. No entanto, muitas empresas acabam lidando com variáveis demais, o que diminui a precisão e aumenta o ruído.

Essa complexidade quebra o elo entre ação e resultado, tornando as decisões estratégicas um labirinto. Startups precisam de foco e simplicidade. Identificar os riscos mais relevantes não é apenas importante — é o que define cenários que são claros e que podem nos levar a decisões que realmente funcionam.


Compreendendo o Perfil de Cada Tipo de Risco

Imagine sua startup operando como duas máquinas: a “máquina operacional” e a “máquina de CAC”. Essa metáfora, criada pela General Catalyst, ajuda a dividir o negócio entre tarefas estáveis e áreas mais imprevisíveis, simplificando o entendimento dos desafios estratégicos.

A “máquina operacional” é responsável pelas atividades previsíveis, como desenvolvimento de produtos e suporte ao cliente. Ela funciona em um ambiente controlado, garantindo eficiência no dia a dia. É o motor que mantém as operações funcionando sem grandes surpresas.

Já a “máquina de CAC” enfrenta um terreno mais instável. Aquisição de clientes, precificação e retenção dependem de fatores externos, como mudanças no mercado e comportamento dos consumidores. Esses desafios tornam a gestão mais complexa e arriscada, exigindo atenção especial.

Por isso, equilibrar as duas máquinas é crucial. A operação garante estabilidade, mas o verdadeiro crescimento e sustentabilidade vêm da “máquina de CAC”. É nela que as decisões mais críticas acontecem — e onde o futuro do negócio é traçado.


Simplificando Cenários para Clareza Estratégica

Ao analisar cada parte do negócio, fica claro que o perfil de risco varia de acordo com a natureza das variáveis. Custos, por exemplo, não são um problema significativo. Eles operam dentro de faixas relativamente estáveis, sem grandes oscilações. Já as despesas, embora não possuam uma faixa fixa, são mais maleáveis — a empresa tem maior capacidade de ajustá-las quando necessário.

O desafio mais significativo está do lado da receita. O ticket médio costuma se manter relativamente estável em intervalos previsíveis, mas é na aquisição e retenção de clientes que o risco se intensifica. Essas áreas carregam a maior parte das incertezas, mas também concentram as maiores oportunidades. São elas que moldam o crescimento e determinam a viabilidade do negócio.

Diante disso, o planejamento de cenários deve focar nas variáveis com maior impacto no perfil de risco: o custo de aquisição de clientes (CAC) e a retenção. Essas métricas estão diretamente ligadas à capacidade da empresa de crescer de maneira sustentável, equilibrando investimento e retorno.

Ao priorizar análises de sensibilidade para CAC e retenção, a análise de cenários se torna mais eficaz. Isso reduz ruídos e concentra esforços no que realmente importa, transformando a incerteza em uma ferramenta para decisões estratégicas.


Ancorando Cenários em ‘Base Rates’

Michael Mauboussin, um dos principais autores modernos da área de gestão e finanças, destaca que decisões eficazes exigem mais do que intuição: é preciso comparar o próprio caso aos padrões de outras empresas.

No contexto da análise de cenários, isso significa abandonar a visão limitada à realidade interna e buscar referências concretas no mercado. Com essa abordagem, as análises deixam de ser palpites e ganham uma base sólida, capaz de orientar decisões com maior precisão.

Adotar “base rates” funciona como um antídoto contra suposições soltas sobre CAC e retenção. Você substitui achismos por um ponto de partida confiável, reduzindo a chance de criar cenários afastados da realidade.

Assim, ao incorporar dados de base, a startup se livra da tendência de confiar apenas em previsões otimistas ou informações restritas. Esse ajuste traz disciplina ao planejamento, aproximando as decisões do que realmente acontece no mercado — sem ilusões, sem fantasias.


Crescimento e Retorno sobre Investimento

Todo negócio sólido se constrói sobre três pilares: crescimento, retorno sobre investimento e tamanho de mercado. Uma empresa precisa crescer de forma sustentável, gerar retornos que justifiquem os aportes feitos e operar em um mercado amplo o suficiente para manter esse crescimento no longo prazo.

Embora outras variáveis possam entrar na equação, negócios que acertam nesses três pontos têm chances muito maiores de prosperar. O tamanho de mercado, porém, é um fator externo — está fora do controle direto da empresa. Por isso, a análise de cenários deve concentrar-se no crescimento e no retorno sobre investimento.

Esse modelo foca no que é essencial. Trabalha com CAC e retenção como inputs principais, traduzindo essas métricas em crescimento e ROI como resultados. É uma abordagem que deixa de lado o supérfluo e organiza o planejamento de maneira objetiva e estruturada.

Vamos começar com uma análise de cenários focada no crescimento do negócio.

Usamos como base o número atual de clientes, o investimento planejado em marketing e as faixas de referência para CAC e churn. Com esses dados, projetamos quantos clientes a empresa pode conquistar até o final do ano em diferentes cenários.

Tamanho da Base de Clientes para Diferentes Cenários
Tamanho da Base de Clientes para Diferentes Cenários

Talvez você tenha percebido que começamos falando sobre crescimento e acabamos discutindo o número de clientes. Isso acontece porque, nesta modelagem, consideramos que o ticket médio não é uma variável tão decisiva. Isso nos permite focar diretamente no número de clientes, o que facilita a criação de tabelas equivalentes de faturamento ou mesmo de projeções de crescimento.

Com os cenários de crescimento definidos, é hora de fazer o mesmo para ROI. Crescer é importante, mas entender se o retorno sobre o investimento é adequado é essencial. O padrão ouro para avaliar isso é o indicador LTV/CAC. Se a empresa tiver maturidade para utilizar esse indicador, ele será a melhor escolha para medir a eficiência do investimento.

Magic Number em Diferentes Cenários
Magic Number em Diferentes Cenários

Por uma questão de praticidade, podemos considerar alternativas. A principal é o Magic Number, um indicador que mede a relação entre a receita gerada e o investimento realizado para adquiri-la. De modo geral, o mercado considera saudável um LTV/CAC acima de 3x ou um Magic Number superior a 0,75x.

Esse formato destaca como as variáveis se conectam. Mesmo que uma delas fique abaixo do esperado, outra pode compensar e criar um cenário positivo. As cores ajudam a visualizar rapidamente se as metas estão sendo alcançadas, tornando a análise mais prática.

O próximo passo é alinhar os objetivos estratégicos. Em alguns casos, pode valer a pena priorizar o crescimento rápido, mesmo com um ROI mais baixo — tudo depende do contexto.

Depois, é importante avaliar a viabilidade dos cenários. Se os resultados esperados dependem de uma retenção irrealisticamente alta ou de um CAC muito baixo, o risco aumenta. Já cenários que funcionam com diferentes combinações de CAC e churn tendem a ser mais realistas e promissores.

Por fim, essa abordagem serve também para acompanhar o planejamento. A qualquer momento, é possível verificar se os resultados estão no caminho certo ou se ajustes são necessários.


Conclusão

Criar cenários não é sobre prever o futuro, mas sobre decifrar a lógica por trás do negócio. É entender como variáveis se conectam e o impacto de cada decisão no contexto real.

Quando você enxerga essas relações como um algoritmo — onde certos fatores levam a determinadas consequências — abandona as suposições vagas e começa a agir com base em sinais concretos.

Essa abordagem gera resiliência de verdade. Em vez de se prender à ideia de “acertar” o futuro, você cria uma estrutura flexível, pronta para responder, ajustar e crescer conforme as condições mudam.

O valor do planejamento de cenários não está em prever detalhes, mas em preparar o negócio para prosperar na incerteza. Para startups, focar no CAC, na retenção e em dados confiáveis é a melhor forma de transformar riscos em oportunidades de crescimento.